quarta-feira, 28 de julho de 2010

Cada cabeça… sua sentença…

O Jantar Poético, servido no passado dia 16, foi um verdadeiro sucesso.
Agradecemos o empenho, o esforço, a vontade, o prazer e a criatividade de todos os que connosco colaboraram.
Como em qualquer outro restaurante, no final da refeição, foi apresentada a conta aos clientes. Serviram-se palavras, pagaram-nos com palavras ― de agradecimento, de satisfação, de felicitação e de encorajamento.
Nesse dia, “santos da casa fizeram milagres” e “com palavras viajámos, comemos e bebemos. As vozes encheram o espírito. Ficámos completamente satisfeitos” com “uma refeição deliciosa”, um jantar “gostosamente imaginativo”, “de sabor magnífico”, “de ‘comer’ e chorar por mais”, “um alimento que não provoca colesterol”, um “manjar” que “não engorda”, que deixa “a alma alimentada e o espírito saciado”.
“É difícil surpreendermo-nos num mundo em que tudo já foi inventado, mas, esta noite, a poesia servida à refeição foi uma deliciosa surpresa”. “Só faltou mesmo um garçon jeitoso… De qualquer forma, este restaurante foi aprovado pela ASAE”, que “passou por aqui e não registou nenhuma anomalia” e ainda bem pois é “extremamente importante alimentar a alma”.
“Esta iniciativa é uma daquelas que importa recordar. Momentos como este fazem da nossa escola uma grande escola” e “Acho que conseguiram, na verdade, o objectivo traçado ― a motivação para a leitura” são também palavras de clientes satisfeitos.
No entanto, a maioria dos clientes, apesar de ter gostado do que lhes foi servido, não ficou satisfeita pois sentiu necessidade de afirmar que gostaria de repetir: “Embora tenha ficado ‘cheia’, conseguia lugar para mais um bocadinho”, “Espero que não seja preciso chorar muito até que se repita tão apetitosa refeição”, “Se mais houvesse, mais me divertia, mais lia e mais chorava para que houvesse mais”.
“Gostei. Foi pena neste restaurante não haver lugar para M. Torga, M. Alegre, H. Helder, A. Gedeão, A. O´Neill…” que não compareceram porque “estiveram noutro lugar onde também eram precisos…”
É verdade que Saramago poderia, e deveria, também ter feito parte da ementa “pois também escreveu poesia e que bonita homenagem poderia ter tido hoje e aqui.” Por isso e porque “nem tudo lembra”, prestamos-lhe, aqui e agora, a nossa homenagem, com um dos seus poemas que poderá abrir o apetite para outras iniciativas deste género.


Põe na mesa a toalha adamascada,
Traz as rosas mais frescas do jardim,
Deita o vinho no copo, corta o pão,
Com a faca de prata e de marfim.
Alguém se veio sentar à tua mesa,
Alguém a quem não vês, mas que pressentes.
Cruza as mãos no regaço, não perguntes:
Nas perguntas que fazes é que mentes.
Prova depois o vinho, come o pão,
Rasga a palma da mão no caule agudo,
Leva as rosas à fronte, cobre os olhos,
Cumpriste o ritual e sabes tudo.

In Os Poemas Possíveis, Editorial Caminho, 3.ª ed., p. 81

Isabel Neves - Formadora de CLC

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